Nasceu Maria Neves da Silva aos quatro de setembro de 1936, na Fazenda Trapiá, então propriedade do Sr.
Manoel de Paula, avô do comediante Chico Anísio, no município de Maranguape -
Ceará. Era a 6ª filha de dona Petronília
Inácio da Silva, natural de Pacoti (Sítio Boa Hora), sendo seus avós
maternos Manuel Inácio (dono do Sítio Bananeira, em Baturité) e Maria Inácio; e
de Seu Sebastião Neves da Silva, do
Trapiá, sendo seus avós paternos Pedro Neves e Filipa Almeida.
Com alguns dias de nascida, Maria
Neves recebeu o sacramento do batismo na capela de Nossa Senhora da Conceição, na localidade rural maranguapense de
Urucará. A mãe queria que ela se chamasse Maria
Rosa, no entanto fora registrada pelo pai somente como Maria. Por essa
razão, desde então seria apelidada de Rosa por todos.
As dificuldades eram muitas, próprias
da vida humilde e simples de uma família de agricultores, mas os valores e fé
inabalável daquela gente abrandavam a dura lida do campo. Pai, mãe e os sete
filhos Pedro, José, Maria, Raimundo, Sebastião Filho, Maria “Rosa” e o mais novo, Manoel (que foi embora para a Amazônia,
no Acre, e desapareceu), experimentaram a dureza dos canaviais, o labor no
engenho, a fabricar rapadura e cachaça, o cuidado com o gado e outras criações.
Um inesperado golpe traria mais
sofrimento àqueles dias. Sua mãe morreria de complicações decorrentes do parto
do caçula, quando Rosa tinha apenas 11 meses de nascida. Pouco antes da
partida, entre grandes dores e sentindo que não resistiria, dona Petronília (a
“dona Peta” ou “Petinha”) pediu para o marido que não entregasse a pequena Rosa
para os padrinhos fazendeiros, Manoel de Paula e sua esposa D. Calú. Isto
porque previra que Rosa teria a missão de cuidar do pai na velhice e, dizendo
isso, faleceu abraçada com a filha.
Sebastião atendeu ao pedido e guardou
a memória de Petronília para sempre através do semblante de Rosa que, segundo
ele disse por toda a vida, era muito parecida com a mãe. No entanto, ainda
jovem e com muitos filhos para criar, Seu Sebastião casou-se novamente. Desta
vez, com Sebastiana Neves da Silva, também moradora no Trapiá e mãe solteira de
um filho, chamado Raimundo Delfino, que viria a casar com a meia-irmã Maria, 3ª
filha de Sebastião e Petronília. Os filhos nascidos dessa segunda união também
foram sete: Antônio, Maria José, Maria Eloína, Manoel, Francisco (o Chico),
Maria e Francisco.
Os anos passavam e a madrasta não
teria o mesmo zelo de Petronília para com os enteados. Algumas lembranças da
infância sofrida jamais se apagaram na memória da menina Rosa. Aos 4 anos de
idade, permitiram que ela se perdesse nas terras da grande fazenda. Um vaqueiro
que percorria as plagas mais distantes chamando o gado, encontrou-a chorosa e
faminta, já no fim da tarde, e devolveu-a ao seu pai.
Um ano depois, a família resolvera
mudar-se para a Serra de Baturité, na busca de dias melhores. Subindo a Ladeira
dos Paulinos, em Palmácia, Rosa caiu de um dos caçuás em que viajava, trazido
no lombo de jumento, e só algum tempo depois se deram conta de sua ausência,
sendo resgatada pelo pai que voltara na íngreme vereda à sua procura. Pela
segunda vez era vítima do esquecimento, e novamente encontrada a salvo. Deus
sabia que sua caminhada, entre ganhos e percas, haveria de ser muito longa.
Afinal, sua missão estava apenas começando.
O novo destino de vida e trabalho
seria a propriedade chamada de “Sítios Velhos”, hoje Sítio Timbaúba, numa época
em que o engenho e casa-de-farinha pertenciam a alemães e, posteriormente, ao
Dr. Osvaldo Filho. Com a pouca idade, Rosa passou a trabalhar diretamente nos
roçados de banana, mandioca, urucum, cana, etc., ajudando na limitada renda de
uma família numerosa.
Nas poucas horas livres da enxada ou
do cuidado com os irmãos mais novos, passou a infância e adolescência
praticando uma brincadeira pouco comum. Sem ter acesso aos estudos, nunca
reproduziria uma escolinha, por exemplo. Por outro lado, tendo como principal
referência a religião, brincava de construir altares religiosos para imitar os
ritos litúrgicos. A matéria-prima de suas capelinhas eram os ramos de palmeira,
folhas de bananeira, arcos de flores de laranjeiras, ramas da beira do rio,
decorados com os quadros de santos da parede da sala de casa (razão para brigas
e castigos da madrasta), tudo à sombra de um grande pé de araticum.
Logo após fazer sua 1ª Eucaristia,
tornou-se a mais jovem catequista do lugar, ensinando orações para as demais
crianças. Ir à missa e participar das novenas na capela e casas dos moradores
eram, para ela, os momentos mais felizes e plenos de sua existência. A fé acalmava
a tristeza de não ter sua mãe, sentindo-se de alguma forma próxima dela através
da devoção à virgem Maria, mãe de Jesus. Nesse sentido, Rosa chegou a ter uma
experiência mística.
Durante as raras viagens ao centro da
cidade de Pacoti, encantava-se com o magnífico Patronato, colégio das irmãs de
caridade, hoje Instituto Maria Imaculada. Admirava a missão das religiosas,
tanto na educação como no auxílio aos pobres, como ela. Foi assim que na
mocidade, demonstrou o desejo de ser freira, mas o pai obrigou-a a casar. Assim
como não a deixava ir para a escola porque, aprendendo a ler, correria o risco
de tornar-se irmã daquela congregação.
Em uma das idas para o sertão, pouco
antes de voltar à serra, encontrou uma velhinha pernambucana chamada “Avelina”,
que morreria no dia seguinte. Mesmo sem se conhecerem, nesse encontro dona
Avelina profetizou: “Seu pai não vai permitir que você estude e, por isso, você
não vai poder se ordenar. Mesmo assim você será uma religiosa de verdade,
levando Cristo a quem precisa”. Tempos depois ocorreria outra experiência
misteriosa.
Na casa grande do Sítio Boa Hora,
vizinho a Capela do povoado de mesmo nome, morava a família de Seu Vanderilo,
sobrinho de Izaura Pimenta, e sua mulher dona Zita. Um primo deles, o Frei
Inocêncio da Boa Hora, filho da dona Isaura e Vicente Pimenta, com sua veste
marrom e barba longa, dizia que Rosa seria uma grande missionária, acompanhando
a dedicação da jovem. Na ausência dos patrões, Rosa também cuidava daquele
antigo casarão e ali dormia, na sala, junto de seu irmão Sebastião. Numa
ocasião como esta, pouco antes de casar, teve por três noites, uma visão
durante a madrugada: um clarão azul que
descia do sótão pela escada de madeira. Ao aproximar-se, enxergava uma jovem de
feição bonita, roupa longa que lembrava a imagem de Nossa Senhora.
Após a segunda aparição, contou o que
vira a seu pai. Ele recomendou que se a visse outra vez, ela lhe perguntasse: “Em nome de Deus e da virgem Maria, quem
pode mais do que Deus? ”, e aguardasse a resposta. Na terceira e última
ocasião, Rosa assim fez. A jovem aparecida respondeu com voz sumida: “Ninguém. Sofra com paciência, siga a sua
missão. Tenha fé que nunca se acaba. ” O irmão Sebastião estava acordado do
lado, nesse momento, mas não viu nada. O pai dissera que essa moça haveria de
ser, na realidade, a esposa falecida, sua inesquecível Petinha.
Com apenas 15 anos de idade, Rosa
casava com José de Almeida, natural
do Trapiá, que tinha o dobro de sua idade, em 02 de outubro de 1951, no cartório da “Torre”
(hoje distrito de Itacima), em simples ato presidido por dona Chiquinha, a
juíza de paz. Naquela época, o deslocamento até o local do casamento foi uma
verdadeira aventura. Testemunhas e o casal saíram a pé, de madrugada, seguindo
para o Sítio Canadá, em Redenção. A travessia passava pela parede do açude do
governo, caminhando por cima dos grandes canos de ferro dessa barragem até
chegar ao destino, assim como na volta.
No dia seguinte, 03 de outubro, foi
celebrado o casamento religioso na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição,
em Pacoti, pelo Pe. Filipe Néri. Depois que Rosa casou, seu pai Sebastião voltou
a viver no sertão. Preocupada com ele, ela sempre que possível ia visita-lo.
Por essa razão, sua primeira filha, Terezinha, nasceu lá. Da união, viriam mais
nove filhos: Francisco de Assis, Emanuel, Antônio José, Lucineide, Lucimar,
Vicente de Paulo, Maria das Dores, Francisca Maria e Maria de Fátima.
Mesmo que praticamente obrigada a
enfrentar o matrimônio, uma vez que não sentia ser esta a sua verdadeira
vocação, encontrou em seu marido a resignação e paciência que não imaginava.
Toda vez que desejava participar de algum ato religioso ou trabalho pastoral,
José sempre dizia: “Pode ir com Deus e
Nossa Senhora para sua missão, que eu cuido dos meninos”. Sua família,
definitivamente, estava além dos laços de sangue, uma vez que formada pelo
povo, pela comunidade.
Assim, Rosa semanalmente ia a Pacoti
dar aulas de bordado para as alunas internas e externas do Patronato, a convite
das irmãs. Chegou a receber um diploma do curso de bordado emitido por aquela
instituição, tendo então oportunidade de uma pequena renda extra, chegando a
ganhar um pequeno rádio, grande novidade desse período.
Outra atividade que se dedicou foi a
de ajudar as parteiras Duca Pinheiro e Fausta na Maternidade Dona Neusa Holanda,
de Pacoti, onde os procedimentos muitas vezes eram realizados sob à luz de
lamparina. Observando as carências daquela recém fundada casa de saúde, Rosa
organizou um leilão durante as quermesses nos Sítios Velhos, para ajudar a
manutenção da maternidade. Arremataram-se frangos que ela mesma assou com óleo
de coco babaçu, acompanhados da farinha que havia conseguido através de doação
da casa de farinha mais próxima.
Essa atitude chamou a atenção do
então vigário paroquial, o alemão Pe. Quiliano que estava iniciando um projeto
de colaboração com a maternidade, que ampliada a hospital com centro cirúrgico,
homenagearia futuramente esse benfeitor ao ser denominado Hospital Padre
Quiliano. O pároco mandou chamar Dona Rosa à sua presença, parabenizando-a pela
atitude, admirado pelo altruísmo de uma mulher do povo, tão humilde, mas com o
espírito empreendedor e missionário.
A partir disso, trabalharam juntos por
longos anos em ações religiosas e sociais. Padre Quiliano foi o responsável
pela construção da maior parte das capelas hoje existentes nas localidades
rurais de Pacoti e Dona Rosa participou ativamente dessas campanhas, chegando a
carregar pedras para a fundação da Capela do Sítio Ouro, por exemplo, e, mais
recentemente, colaborando na captação de recursos para a construção da capela
da Serra Verde da Timbaúba.
Tempos depois, Dona Rosa foi residir
na Granja Municipal, bairro praticamente fundado por Pe. Quiliano através das
doações que fez de lotes de terra a famílias necessitadas, onde viveu por quase
trinta anos. Viúva e com os filhos já crescidos, morou em diversas localidades
sempre colaborando com as igrejas e trabalhos pastorais de cada lugar, como no
Sítio Jardim de Areias, Caititu, Gameleira, Holandina, Alto Bela Vista e, por
fim, na sede municipal, na Vila Socorro.
As principais características da
missão de vida anunciada desde a sua infância foram, então, desenhadas através
das visitas a idosos, enfermos e carentes, buscando ajudar por meio da obtenção
de mantimentos para as mesmas e, como visto, conquistando recursos para a
edificação de capelas, até hoje, por meio de rifas, bingos e outras campanhas
movidas de muito zelo e honestidade, resultando satisfatoriamente na realização
de grandes obras.
O coroamento de sua missão pastoral
se deu quando alcançou o título de ministra extraordinária da Santa Eucaristia,
através do qual foi possível a graça de levar o corpo místico de Cristo através
do pão eucarístico. E é assim que vem servindo à comunidade católica pacotiense
ainda hoje.
Há muitos anos, coube ao Pe. Kiliano
expressar também uma opinião sobre o futuro de Dona Rosa, ao afirmar que ela
iria morar sozinha na velhice. E, de fato, esta é uma realidade atual. O que
não significa que a boa senhora não seja devidamente acolhida por seus filhos e
netos. Muito pelo contrário, é algo revelador de sua admirável independência,
saúde e disposição que, no alto de seus mais de oitenta anos, Dona Rosa possui:
a simplicidade, o espírito e a coragem dos verdadeiros evangelizadores!
Pacoti, 21 de maio de 2017.
Autor do texto: Levi Jucá
PS: Dona Rosa partiu no dia 26/04/2020, deixando saudades de suas constantes visitas à minha casa, onde puder ouvir de suas histórias de vida e registrar uma parte delas no papel. Gratidão por seu carinho, amizade e orações. Descanse em Paz!